O Instituto Voto Legal quer mudar regras do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) antes de realizar a auditoria e a fiscalização das eleições de 2022. A empresa foi indicada pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, para acompanhar a disputa e é peça-chave do mandatário em sua estratégia de ataques ao sistema.
Na linha golpista que tem adotado, Bolsonaro já disse, em tom de ameaça, que os resultados da análise da empresa podem complicar o TSE, se ficar constatado que é “impossível auditar o processo”.
O plano de trabalho entregue ao tribunal para credenciamento do instituto sugere alterar três artigos da resolução da corte sobre procedimentos de auditoria.
Um dos pedidos do Voto Legal é a permissão para usar computadores portáteis conectados à internet. Na regra atual, o trabalho deve ser feito “em ambiente controlado, sem acesso à internet”.
No documento de 16 páginas, o instituto também sugere que o TSE libere o uso de produtos de “monitoramento da integridade dos arquivos e programas que compõem o sistema eleitoral”.
Esses programas, segundo o plano, teriam poder de gravar dados sobre o “comportamento dos arquivos e programas”.
O TSE, hoje, veda registro de “dado ou função pelos programas de verificação” apresentados pelas entidades fiscalizadoras.
O instituto ainda quer mudar regra que exige entrega do código-fonte do programa que for utilizado no processo de verificação dos sistemas eleitorais.
A discussão sobre a auditoria ocorre no momento em que Bolsonaro amplia os questionamentos ao processo eleitoral. Na terça-feira (7), o presidente voltou a atacar ministros do TSE e repetiu, sem provas, que houve fraude nas eleições de 2018.
O PL ainda aguarda o TSE credenciar o Voto Legal. A documentação foi protocolada nesta semana.
O tribunal exige “notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública” para autorizar uma entidade privada sem fins lucrativos, como o Voto Legal, a auditar as eleições.
O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, dará a palavra final sobre o credenciamento, a partir de pareceres de áreas técnicas da corte.
O instituto escolhido por Bolsonaro foi aberto em 2021, ou seja, não prestou serviços em eleições anteriores.
No plano de trabalho, o grupo escolhido pelo PL afirma que a equipe de fiscalização “acumulou grande experiência profissional, em especial, no sistema eletrônico de votação brasileiro”.
Ainda cita que o engenheiro Carlos Rocha, presidente do instituto, “liderou as equipes que desenvolveram e fabricaram as urnas eletrônicas, para as eleições de 1996”.
Segundo relatos, o Voto Legal foi apresentado como única opção pelo entorno do presidente ao partido.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, resistia à proposta de Bolsonaro de auditar o pleito, mas aceitou levar adiante a empreitada para agradar o mandatário.
O processo deve custar em torno de R$ 1,35 milhão aos cofres da legenda —valor considerado baixo por aliados do presidente.
Se a empresa conseguir se credenciar junto ao TSE, o pagamento será feito com recursos da legenda fora do fundo partidário, para evitar questionamentos da oposição.
Rocha disse à Folha que as propostas de mudanças, ainda que desejadas, não são vitais para a auditoria. Ele nega que a intenção seja tumultuar o pleito.
“Agora, quem decide que vai fazer melhoria ou não é o TSE. Qual será a decisão do partido se uma sugestão técnica for aceita ou não? Não tenho a menor ideia, vai ser uma decisão do partido”, disse.
Para o presidente do instituto, a resolução do TSE parece voltada a trabalhos de verificação do código-fonte das urnas, o que estaria fora do escopo de atuação do plano de auditoria.
“Para fazer a fiscalização é necessário fazer o registro dos eventos, avaliar como os equipamentos se comportam e identificar possíveis falhas de sistema ou tentativas de invasão”, disse ele sobre o pedido de gravação dos dados durante a auditoria.
De forma geral, a ideia do instituto é realizar serviços de “análise e diagnóstico do sistema eletrônico e votação” e recomendações para a “evolução do ambiente atual”, segundo o plano de trabalho.
A bandeira de Rocha é a adoção de um documento eletrônico para cada voto, certificado pelo ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), como ele explicou em artigo publicado na Folha em 2021.
Além disso, ele defende usar um programa certificado pelo Inmetro nas urnas. O engenheiro negou que irá declarar que o processo eleitoral é “inauditável” se o tribunal não alterar a resolução, como insinuou Bolsonaro.
“Em vez de ir lá e gerar confronto, a gente disse: ‘Olha, existem esses desafios’. A gente gostaria de alinhar com o TSE, ser visto como alguém que está fazendo um trabalho construtivo”, disse ele.
Rocha também afirmou não temer que o relatório do instituto seja utilizado para alimentar questionamentos de Bolsonaro.
“Se no passado o TSE tivesse escutado algumas das ponderações que nosso grupo de engenheiros do ITA, entre outros, levaram, teríamos um sistema certificado. Essa discussão de fiscalização do código, hardware, teria sido superada”, declarou.
Reportagem da Folha mostrou que o PL, partido de Bolsonaro, só esteve presente em uma visita ao TSE desde o ano passado. Na ocasião, em dezembro, não houve nenhuma análise do código-fonte das urnas, mas apenas apresentações e esclarecimento de dúvidas.
O código-fonte da urna eletrônica está disponível para inspeção desde 4 de outubro na sede do TSE.
Via Política Livre