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Educação domiciliar no Brasil divide governo, defensores e especialistas

Prática é conhecida como escolarização domiciliar. Prática é comum em países Europeus, America do Norte e outros

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A possibilidade de que pais eduquem seus filhos somente em casa dividiu a base do governo e gerou dois projetos de lei que se antagonizam quanto ao nível de regulação que a prática teria. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2018 que quem quiser optar por isso não comete crime, mas tem que seguir normas que seriam definidas pelo Legislativo.

Dois projetos de lei que procuram disciplinar o homeschooling estão sendo discutidos no Congresso.

O primeiro, relatado pela deputada Luísa Canziani (PSD-PR), libera a atividade com regulações como a necessidade de matrícula em instituição de ensino e avaliações periódicas. Além disso, ele prevê a obrigatoriedade de que um dos pais da criança educada em casa tenha curso superior.

Até quem se posiciona contra o ensino em casa, por princípio, questiona as limitações aventadas no projeto de lei em apreciação no Legislativo. É o caso de Mariza Abreu, consultora em educação. “Sou contra a liberação de qualquer forma que seja, mas exigir que um dos pais tenha faculdade torna essa ideia elitista”, afirma.

O outro projeto, protocolado em 2019 pelas deputadas do União Brasil Bia Kicis (PL-DF), Chris Tonietto (PL-RJ) e Caroline de Toni (PL-SC), pretende incluir um parágrafo no artigo 246 do Código Penal explicitando que educar os filhos em casa não é crime. Hoje, a punição prevista é de 15 dias a um mês de detenção, além de multa.

Ele nasceu a partir de um descontentamento de setores defensores da educação domiciliar que julgavam que o projeto de Canziani tinha regras demais para autorizar a prática.

“Temos, aproximadamente, 15 mil estudantes entre 4 e 17 anos, segundo dados da Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar). Ela já acontece, nós temos urgência em tratar desse assunto, as famílias estão desamparadas e contam conosco, contam com a nossa voz”, explica Kicis.

O professor Ulisses Schwarz, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), explica que o STF proibiu o que ele chama de “homeschooling exclusivo”, ou seja, “aquele feito sem nenhuma supervisão ou acompanhamento do Estado, ainda que indiretamente”.

O educador Carlos Roberto Jamil Cury, especialista no direito à educação, questiona o projeto de Kicis: “no mundo inteiro, em que a educação doméstica é autorizada, há cadastro, regulação e avaliação”. Ele reforça que toda a luta da educação brasileira desde a Constituição de 1988 é pela universalização do acesso à escola e, assim, qualifica a liberação do “homeschooling” como um retrocesso.

“Era permitido [o ensino domiciliar] na época do Império, e foi sofrendo sanções à medida que as legislações foram evoluindo”, explica. “O que está por trás desses projetos é uma ideia de que a família tem mais importância que a escola na hora de educar, mas, na verdade, são papéis complementares. O que a Constituição e a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] propugnam é uma solidariedade entre escola e família.”

A proposta de Kicis foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara e espera para ser votada no plenário sem data definida.

A de Canziani a guarda a constituição de uma comissão temporária, segundo a Câmara.

A assessoria da deputada ofereceu informações sobre o projeto, mas negou entrevista. A demora para a tramitação da pauta já causa desconfiança em algumas lideranças pró-ensino doméstico.

Jonatas Dias Lima, presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal, reconhece que o projeto apresentado pelas deputadas do União Brasil ajuda as famílias que praticam educação domiciliar. “Muitos reclamam da insegurança jurídica, então é claro que é um auxílio. Mas, na nossa visão, o projeto que atende a decisão do Supremo e regulariza a nossa situação é o projeto da deputada Canziani”, afirma.

Ele se queixa de uma falta de interesse em fazer a pauta andar. “O governo vive colocando a pauta nos itens prioritários, mas não se empenha de fato”, lamenta.

Rick Dias, presidente da Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), diz que é necessário “o mínimo de regulação possível para a educação domiciliar e estamos longe disso”. Para ele, o clima político para a aprovação do projeto “não é bom”.

De acordo com o professor Fausto Zamboni, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), o Brasil deve se basear em experiências internacionais. “A prática é permitida em países como EUA, Inglaterra e Portugal e permite, entre outras coisas, mais liberdade para definir o que será ensinado e, portanto, uma educação mais personalizada.”

Ele afirma que não defende um modelo específico, mas que se deve garantir o direito de as famílias optarem ou não pela educação domiciliar.

Schwarz, do IDP, questiona como seria o controle de quem está realmente em educação domiciliar. “Vamos fazer um concurso público para conseguir ter os fiscais? Isso vai ter custos”, afirma. Para o professor, em um país com imensa desigualdade socioeconômica e educacional, crianças podem ficar ainda mais vulneráveis sem o devido controle.

“Vamos imaginar que uma criança, supostamente em ensino domiciliar, acabe sendo submetida a trabalho infantil, por falta da devida fiscalização dos órgãos públicos. Como vamos ter certeza disso?”, questiona.

“Não acredito que o governo tenha uma preferência por este ou aquele projeto, eles estão na verdade utilizando uma estratégia de atirar para todo lado. Querem dar uma resposta para quem pratica educação domiciliar e apoia o governo”, afirma Marcele Frossard, assessora de políticas sociais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que é contraria ao “homeschooling”.

Ela também ressalta que uma estratégia dos grupos defensores da educação domiciliar tem sido aprovar projetos que regularizam a prática nas assembleias estaduais, já que a decisão do STF não especificou qual ente federativo tem competência para legislar sobre o tema.

Via Bahia Notícias

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