Nos últimos 15 meses, foram feitas 394.370 postagens no Facebook sobre alegadas fraudes eleitorais, e esse conteúdo gerou mais de 111 milhões de interações -o que equivalente a cerca de 247 mil curtidas, comentários ou compartilhamentos por dia sobre o tema.
As informações estão em estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP-FGV) sobre desinformação eleitoral no Brasil, que analisou dados no período entre novembro de 2020 e janeiro de 2022.
“O dado surpreendente é que essa campanha de desinformação contra o processo eleitoral não arrefeceu, continua muito intensa e é comandada por um mesmo grupo de pessoas e grupos”, diz Marco Ruediger, coordenador da pesquisa e chefe da DAPP-FGV.
“A mobilização vem de palavras de ordem de pessoas públicas, que incitam grupos. É desinformação muitas vezes custeada com dinheiro público, impulsionada com fundo partidário.”
Um total de 12 contas concentra o maior volume de interações nas postagens no Facebook sobre fraude nas urnas e voto impresso: a campeã foi a deputada federal Carla Zambelli (PSL), com 1.576 publicações e quase 8 milhões de interações.
Na sequência aparecem: deputada Bia Kicis (PSL-DF), deputado Filipe Barros (PSL-PR), presidente Jair Bolsonaro, Jornal da Cidade online, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), UOL (notícias sobre o tema), deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), grupo Bolsonaro 2022, Jovem Pan News, deputada Caroline de Toni (PSL-SC) e grupo Aliança pelo Brasil -presidente Jair Bolsonaro.
Entre as contas que mais postaram sobre fraude nas urnas estão vários grupos bolsonaristas, como o Movimento Brasil, com 11.856 posts, Bolsonaro 2022, Grupo Olavo de Carvalho, Força Brasil, Aliança pelo Brasil 38, Bolsonaro 2022, Grupo Soldado de Aço de apoio a Bolsonaro, Somos 70 porcento, Bárbara Te Atualizei, Aliança pelo Brasil, Carla Zambelli, Bolsonaro até 2026.
Nos Estados Unidos, na campanha eleitoral de 2020, o Facebook passou a acrescentar um rótulo informativo a “conteúdo que tenta deslegitimar o resultado da eleição ou discutir a legitimidade dos métodos de votação, por exemplo, ao dizer que métodos legais de votação levarão a fraude”.
Também proibiu a compra de anúncios com esse teor.
No Brasil, no entanto, a plataforma não tem nenhuma política específica em relação a conteúdos que questionam a integridade eleitoral.
A empresa anunciou que usuários passariam a ver, a partir de 10 de dezembro, um rótulo em postagens do Facebook e Instagram sobre eleições e seriam direcionados para uma página da Justiça Eleitoral.
Mas, segundo mapeamento da FGV, inúmeros conteúdos que disseminam informação falsa sobre as eleições continuam circulando sem nenhum link.
Por exemplo, posts de 10 de janeiro com as seguintes afirmações:
“Nós exigimos o voto impresso e que as forças armadas acompanhem todo o processo de eleição!!! Se o ladrão ganhar é a prova de (sic) as urnas foram fraudadas #LULANACADEIA #BolsonaroReeleitoEm2022” e “Com o Exército fiscalizando a apuração das urnas vai ser mais difícil a organização criminosa consumar a fraude”.
Segundo o levantamento da FGV, os picos das postagens ocorreram em novembro de 2020, durante a corrida presidencial dos EUA e as eleições municipais no Brasil, e em julho e agosto de 2021, na esteira da discussão pública sobre a PEC do voto impresso e das declarações falsas de Bolsonaro.
O conteúdo de deslegitimação do sistema eleitoral, segundo o levantamento, continua a circular e, em 2021, ultrapassou os níveis da última eleição presidencial, em 2018.
Facebook afirma que sistema segue em aperfeiçoamento A Meta, empresa controladora do Facebook, afirmou, em nota, que em alguns casos “os sistemas podem não reconhecer um conteúdo sobre eleições e não adicionar o rótulo”. “A empresa está trabalhando continuamente para aperfeiçoar o produto.”
A empresa também afirmou que “o Brasil é um dos primeiros países em que adicionamos rótulos desse tipo para eleições e o primeiro em que fazemos isso mais de 10 meses antes do dia da votação.”
A empresa informou também que postagens no Facebook e no Instagram estão sujeitas à verificação de autenticidade por agências de checagem de fatos.
“Se um conteúdo sobre eleições for marcado como falso por uma agência de checagem de fatos, ele será rotulado como desinformação e terá sua distribuição reduzida de forma significativa.”
Porém conteúdo postado por políticos, sejam eles candidatos ou ocupantes de cargos, não passa por checagem das agências.
Segundo a empresa, os políticos não têm a veracidade de suas afirmações avaliada porque a empresa se norteia pela “na crença fundamental do Facebook na liberdade de expressão, no respeito ao processo democrático e de que o discurso político é o mais analisado que existe, especialmente em democracias maduras com uma imprensa livre.”
Segundo o Marco Civil da Internet, o Facebook só pode ser responsabilizado se houver ordem judicial para remover conteúdo e a plataforma descumprir.
Para Ruediger, da FGV, o TSE deveria assumir uma postura mais pró-ativa.
“A estrutura do TSE não pode ser reativa, a corte precisa monitorar essas contas que mais publicam a desinformação eleitoral e que, muito provavelmente, seriam os grupos que estariam envolvidos em tumultos e questionamento do resultado durante a eleição”, diz o sociólogo.
“Existe um processo de naturalização desse discurso, estão preparando terreno para contestar os resultados, da mesma maneira que políticos republicanos nos EUA fizeram em 2020.”
Ruediger também engrossa o coro dos pesquisadores que pedem maior transparência nas regras do aplicativo. “O Facebook precisa tornar claras, urgentemente, as regras de moderação de conteúdo que vai usar durante a campanha eleitoral, para não repetir erros de 2020 nos EUA e 2018 no Brasil.”
TSE diz reagir com informações de qualidade O TSE, em nota, ressaltou a preocupação com a liberdade de expressão, diz realizar ações contra a desinformação sem, porém, cercear o debate público e a livre circulação de ideias, “ainda que embasadas em teorias conspiratórias e afirmações sem qualquer conexão com a realidade”.
O tribunal afirma combater as fake news por meio da oferta de informações oficiais de qualidade, sem prejuízo de apresentar respostas, a depender de fatores circunstanciais.
Nesse campo, encaminha a agências de checagem de fatos e veículos abalizados da imprensa dados oficiais verificáveis, que permitem a conferência e respectivo desmascaramento de medidas virais.
Mas a corte indica também que pode agir de forma mais contundente para tirar do ar determinados conteúdos.
O tribunal se refere à sua recente resolução sobre propaganda eleitoral que veda “a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos”.
Remete ainda à jurisprudência criada pela cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR), no ano passado, por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação em live no Facebook no dia das eleições de 2018.